- Me dá um bolo.
Eles chegaram buscando o olhar de algum freqüentador. Alguém que se dispusesse a notá-los. O pai, de presumidos vinte anos e o filho de uns dois anos, trazido pela mão. Vestiam camiseta e calção encardidos e de cor indefinida. Apresentavam-se também encardidos. Magros, bem magros, de cara chupada.
- Pode pedir no balcão.
O pai achega-se ao balcão, vê todos aqueles bolos de variados sabores, olha para o filho e escolhe um com cobertura de chocolate branco.
O menino exclama:
- Bolo pai!
Começa o corre-corre dos atendentes, uns para um lado, outros para outro, atarefados. Afinal, aqueles dois cheiram mal. Passam-se vários minutos. Ninguém os atende. Uma cliente se levanta e insiste no pedido. Outro chama uma atendente, que normalmente é solícita e pede que os atenda. Ela se esquiva alegando que está muito ocupada. Novamente aquela cliente insiste, já existe um clima de mal-estar pela cobrança do atendimento. Finalmente eles são atendidos. O bolo é acondicionado em uma embalagem sugerindo que não podem comê-lo ali. O pai recebe, agradece a que se dispôs a pagar, e sai. O mal-estar permanece. A presença de seres de outro mundo quebrou o encanto da confeitaria.
Os restaurantes, as lanchonetes e estabelecimentos congêneres têm por política coibir a presença de pedintes junto às mesas. As pessoas se sentem incomodadas ao serem abordadas por mendigos ou mesmo por vendedores.
Temos ouvido que não se deve dar esmola. O Governo em vários momentos insistiu e continua a fazê-lo. Mas como negar comida a quem tem fome? Por outro lado não se percebe soluções a partir do Estado para atender aqueles que estão em situação de extrema penúria. Políticas são divulgadas, campanhas são difundidas, mas as vias continuam cheias de necessitados.
É verdade que observando alguns deles, especialmente junto aos semáforos, identificamos alguns que estão sempre ali. São profissionais da mendicância. Outros se colocam próximos de farmácias com alguma chaga à mostra ou uma receita médica nas mãos. Voltando ao mesmo local lá os encontramos. Há também aqueles que dizem faltar tantos reais para completar a passagem para voltar a sua casa. \alguns se fazem acompanhar da família para emprestar credibilidade ao pleito. Alguns são alienados ou drogados e moram nas ruas.
A falta de políticas públicas abre espaços para outros tipos de situações embaraçosas. São aquelas em que os pedidores se apresentam como representantes de organizações filantrópicas. Ligam para a casa das pessoas e dizem que têm casos de pessoas abandonadas, operadas ou crianças sem família que precisam de um cobertor, de uma prótese ou de uma cesta básica. Em muitos casos trata-se mesmo de espertalhões tirando proveito da caridade e da boa-fé das pessoas.
São muitos os pedintes. Parte problema social, parte formada por espertalhões. Os dois casos merecem a atenção do governo, seja para amparar, seja para reprimir. Não há solução isolada para tal. Não é caso de ação isolada, é uma questão de gestão do uso da cidade. É caso de políticas públicas claras e conseqüentes. Ai então não precisaríamos dar uma esmola ou um pedaço de bolo para uma criança faminta.
Um comentário:
Já prenseciei cena parecida. É impressionante como como as pessoas fica incomodadas. Acho que é medo. Mas não é o medo de ser roubado ou coisa assim, porque geralmente em situações como essas a pessoa que pede não representa ameaça, mas é um medo enorme de sentir pena, de revoltar-se com a situação, de indignar-se. Porque, uma vez indignado só resta partir para ação e fazer algo por aquela pessoa. Mas isso pode ocupar o tempo das pessoas e aí... aí ela pode perder o BBB ou a novela. É isso dá um medo danado.
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